A agricultura moderna enfrenta desafios constantes relacionados ao controle de pragas e doenças que afetam as plantações. Métodos convencionais, como o uso de pesticidas, têm sido amplamente utilizados, mas trazem consigo diversos problemas ambientais e de saúde. Nesse contexto, a trofobiose surge como uma alternativa promissora e sustentável para o manejo de pragas e doenças de plantas. Este conceito, baseado no equilíbrio nutricional das plantas, oferece uma abordagem inovadora para a agricultura, promovendo a saúde das plantas e do solo.
O que é Trofobiose?
A trofobiose é um conceito desenvolvido pelo pesquisador francês Francis Chaboussou, que propõe que a saúde das plantas está diretamente relacionada ao seu estado nutricional.
De acordo com essa teoria, plantas bem nutridas são menos suscetíveis a ataques de pragas e doenças. Isso ocorre porque o equilíbrio adequado de nutrientes fortalece o sistema imunológico das plantas, dificultando a proliferação de organismos nocivos. Em outras palavras, plantas que recebem todos os nutrientes necessários de forma equilibrada têm uma menor probabilidade de serem infestadas.
A Teoria da Trofobiose é considerada um dos “pilares” da Agricultura Biológica. Essa teoria foi o resultado de várias pesquisas do autor, em especial, o estudo de ácaros de videiras, entre o período de 1960 e 1969, onde o conceito de “trofobiose” foi construído, e resultou em sua defesa de tese em 1969 em Paris.
Na década de 1970 foi publicada aquela que veio a ser a principal obra deste pesquisador cientifico, denominada “Les plantes malades des pesticides”, que em português recebeu a denominação de “Plantas Doentes Pelo Uso de Agrotóxicos.
A palavra “Trofobiose” significa existência da vida em função do alimento, onde “trofo” (grego “trofé”) significa alimento, crescimento, e “biose” (derivada do grego “biosis”) a existência da vida.
Chaboussou estudou as relações entre a planta, definida pelo seu estado bioquímico, e sua resistência aos agressores, onde assim definiu:
“ A suscetibilidade das plantas é função da existência de fatores nutricionais em seus tecidos, especialmente elementos solúveis presentes nos vacúolos das células, e em particular aminoácidos e glicídeos redutores”. ”……todo processo vital está na dependência da satisfação das necessidades dos organismos vivos, sejam eles vegetais ou animais, ou seja, a planta, ou mais precisamente o órgão vegetal, será atacado somente quando seu estado bioquímico, determinado pela natureza e pelo teor de substâncias nutritivas solúveis, corresponder às exigências tróficas (de alimentação) da praga ou do patógeno em questão”.
(Chaboussou, 1980; 1985).
Assim sendo uma planta, ou parte dela, só será atacada por um agressor, seja ele um inseto, ácaro, nematóide ou micro-organismos (fungos/bactérias) quando estiver presente em sua seiva exatamente o alimento que ele [agressor] necessita.
Cada um destes agressores em referência possui uma variedade muito pequena de enzimas digestivas, o que diminui a possibilidade de aproveitamento completo de moléculas grandes (complexas) como as proteínas.
Portanto para ter uma alimentação satisfatória, o agressor deve encontrar o alimento já em sua forma simples (aminoácidos, açúcares,etc) pois tais substâncias se desmancham facilmente (solúveis) e assim atendem às necessidades de “biose” do mesmo.
Segundo Guazzelli, M.J & Schimitz (1995) a proteína é composta por sequência de aminoácidos. As plantas em crescimento juntam aminoácidos para formar proteínas. Este processo de formação de proteínas è denominado de Proteossíntese.
Para que os aminoácidos se juntem e formem proteínas são necessárias as enzimas,
as quais necessitam de uma nutrição balanceada e completa.
A seiva floemática transporta os açúcares produzidos durante a fotossíntese, além de outras substâncias como aminoácidos, lipídios, micronutrientes, hormônios e proteínas. Certos vírus também são transportados nesta seiva.
Os agrotóxicos e a trofobiose
A teoria da trofobiose defende que a aplicação de agrotóxicos e fertilizantes solúveis nos vegetais funciona como um estímulo ao aparecimento de parasitas. Por meio da iatrogenia (doença que é causada por um remédio), os agrotóxicos e fertilizantes solúveis rompem o equilíbrio natural entre a planta e o predador, aumentando a proteólise e inibindo a proteossíntese – o que torna o vegetal mais vulnerável ao ataque parasitário.
Analogamente pode-se comparar uma cadeia de proteínas à uma parede de tijolos, onde cada tijolo representa um aminoácido, e as enzimas são representadas pelo cimento.
Ao aplicar agrotóxicos, fertilizantes altamente solúveis, insumos sintéticos ou um manejo inadequado, as enzimas da planta deixam de cumprir seu papel de “cimento”, e os aminoácidos (“tijolos”) são liberados, propiciando assim substâncias simples (solúveis) para os agressores.
Assim sendo pode-se resumir esta dinâmica como:
PROTEOSSÍNTESE: síntese de proteínas
As plantas em crescimento juntam aminoácidos para formar proteínas. Este processo de formação de proteínas è denominado de Proteossíntese. Para que os aminoácidos se juntem e formem proteínas são necessárias as enzimas, as quais necessitam de uma nutrição balanceada e completa.
PROTEÓLISE: Decomposição de proteínas
Proteólise é a reação de hidró- lise das ligações peptídicas forma- das entre os aminoácidos de uma proteína. Dependendo da protea- se, os produtos de hidrólise pro- téica catalisada por proteases po- dem ser tanto pequenos peptídeos quanto aminoácidos isolados.
A Ciência por Trás da Trofobiose
A base científica da trofobiose reside na relação entre a nutrição das plantas e sua resistência a patógenos e pragas. Nutrientes como nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio e magnésio desempenham papéis cruciais no fortalecimento das defesas naturais das plantas. Por exemplo, o cálcio é essencial para a integridade das paredes celulares, tornando-as menos permeáveis a ataques de fungos e bactérias. Além disso, a relação entre os nutrientes deve ser equilibrada; um excesso ou deficiência de qualquer nutriente pode criar condições favoráveis para o desenvolvimento de pragas e doenças.
Você pode gostar de ler: Como microrganismos do solo promovem o crescimento de plantas
Aplicação da Trofobiose no Manejo Integrado de Pragas
O manejo integrado de pragas (MIP) é uma estratégia que combina diferentes métodos de controle, visando reduzir a população de pragas a níveis economicamente viáveis e minimizar os impactos ambientais. A trofobiose pode ser integrada a esse sistema como uma ferramenta adicional.
Ao garantir que as plantas recebam uma nutrição adequada, é possível aumentar a resistência natural das culturas, reduzindo a necessidade de intervenções químicas. Isso não apenas diminui os custos de produção, mas também promove uma agricultura mais sustentável e menos prejudicial ao meio ambiente.
Relativamente ao manejo, quando este ocorre de forma adequada, aumenta a resistência da planta. De forma contrária, um manejo inadequado promove incidência de pragas e doenças às plantas. Com isso pragas e doenças são indicadores biológicos de manejo inadequado.
Todos os fatores que interferem no metabolismo da planta podem diminuir ou aumentar sua resistência. Estes fatores estão relacionados à formação de proteínas, (proteossíntese) ou à decomposição delas (proteólise).
A seguir são descritos alguns dos principais fatores que interferem no metabolismo da planta, a saber:
a) Genética: adaptação da variedade ao local onde é cultivada. Quanto mais adaptada for a variedade, maior a taxa de proteossíntese;
b) Centro de origem: è necessário uma similaridade de solo e clima do local de plantio com o centro de origem da espécie. Quanto maior esta similaridade, menor estresse de adaptação, e portanto maior taxa de proteossíntese;
c) Idade ou parte da planta: fases com maior proteólise : brotação, floração, e formação de folhas jovens. Nestas fases deve-se estar atento às questões de adubação, irrigação, e demais itens do manejo, de forma a diminuir o estresse da planta;
d) Solo: boa fertilidade: boas condições físicas, químicas e biológicas aumentam o poder de absorção e de escolha de alimentos pelas plantas, favorecendo a proteossíntese;
e) Luz: a falta diminui a fotossíntese, prejudicando a síntese de proteínas;
f) Umidade: falta ou excesso causa desequilíbrio às plantas, e portanto diminui a proteossíntese ou provoca aumento da proteólise;
g) Adubo orgânico: aumenta a proteossíntese nas plantas devido a seus compostos orgânicos e pela diversidade em macro e micro nutrientes. A ausência de matéria orgânica provoca a proteólise;
h) Adubos minerais de baixa solubilidade: por ex. fostatos naturais, calcário e pó de rochas em quantidades moderadas aumentam a proteossíntese nas plantas, pois tornam-se gradativamente disponíveis. Não prejudicam a macro e micro vida do solo;
i) Adubos químicos altamente solúveis: (NPK, uréia, KCl,superfosfatos,..) diminuem a proteossíntese (são absorvidos muito rapidamente pelas plantas) assim como aumentam a taxa de proteólise. Outro fato è que são ácidos e salinos, o que provoca a destruição da vida útil do solo prejudicando a retirada de nutrientes como P,Ca,K,N,…;
j) Micronutrientes: aumentam a proteossíntese, em função de atuação junto às enzimas. A ausência de micronutrientes promove a proteólise;
k) Tratos culturais: capinas e gradeações com corte de raízes e podas mal feitas prejudicam o metabolismo da planta, que tem que “curar o estrago”, aumentando a proteólise (decompõe suas reservas para leva-las até o ferimento e refazer as estruturas que foram danificadas);
l) Agrotóxico: diminui a proteossíntese de duas formas:
Direta: sobre a planta: agrotóxicos podem entrar na planta pelas folhas, raízes, frutos, sementes, galhos ou troncos, e podem diminuir a respiração, a transpiração e a fotossíntese, prejudicando a resistência das plantas;
Indireta: sobre o solo: agrotóxicos destroem a vida útil do solo, prejudicando a disponibilidade de nutrientes para as plantas (matam minhocas, besouros, e outros organismos altamente benéficos para a agricultura).
Como conclusão cabe citar um breve texto adaptado de Alves et al., (2001)
“ A utilização de insumos objetivando o controle de uma praga ou nutrição da planta, deve, obrigatoriamente, fazer parte de um projeto de manejo
ecológico, levando-se em conta o conhecimento das interações desses produtos e de seus impactos sobre as relações trofobióticas dos organismos envolvidos (planta, pragas e inimigos naturais) no agroecossistema da cultura.
Casos de Sucesso na Aplicação da Trofobiose
Diversos estudos de caso ao redor do mundo demonstram a eficácia da trofobiose. Agricultores que adotaram práticas baseadas nesse conceito observaram uma redução significativa na incidência de pragas e doenças, bem como um aumento na produtividade. Em cultivos de hortaliças, por exemplo, a aplicação de fertilizantes orgânicos balanceados resultou em plantas mais vigorosas e menos suscetíveis a ataques de pulgões e fungos. Da mesma forma, em pomares de frutas, a nutrição adequada das árvores frutíferas reduziu a necessidade de pesticidas, gerando frutos mais saudáveis e de melhor qualidade.
Benefícios da Trofobiose para a Saúde do Solo
Além de beneficiar as plantas diretamente, a trofobiose também tem um impacto positivo na saúde do solo. Quando as plantas recebem uma nutrição equilibrada, elas desenvolvem sistemas radiculares mais robustos, que melhoram a estrutura do solo e aumentam sua capacidade de retenção de água e nutrientes. Isso cria um ciclo benéfico, onde solos saudáveis promovem plantas saudáveis, que por sua vez contribuem para a manutenção da qualidade do solo. Esse equilíbrio é fundamental para a sustentabilidade a longo prazo das práticas agrícolas.
A Importância da Vida Microbiana no Solo
A trofobiose também favorece a vida microbiana no solo. Micro-organismos benéficos, como fungos micorrízicos e bactérias fixadoras de nitrogênio, desempenham papéis essenciais na disponibilização de nutrientes para as plantas. Solos ricos em micro-organismos benéficos são mais resilientes e capazes de sustentar uma agricultura produtiva e sustentável. A manutenção de uma microbiota saudável é, portanto, um aspecto crucial da implementação da trofobiose.
Conclusão
A trofobiose representa uma abordagem inovadora e sustentável para o manejo de pragas e doenças de plantas. Ao focar no equilíbrio nutricional das culturas, essa teoria oferece uma alternativa ao uso intensivo de pesticidas, promovendo uma agricultura mais saudável e ambientalmente responsável. Integrar a trofobiose ao manejo integrado de pragas e cuidar da saúde do solo são passos fundamentais para garantir a produção agrícola sustentável e eficiente. Dessa forma, agricultores podem não apenas proteger suas plantações, mas também contribuir para a conservação do meio ambiente.
A adoção da trofobiose como ferramenta de manejo agrícola não apenas beneficia as plantas e o solo, mas também contribui para a saúde do ecossistema como um todo. Reduzir a dependência de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos diminui a contaminação ambiental e protege a biodiversidade. Em um mundo cada vez mais consciente dos impactos ambientais da agricultura, a trofobiose oferece uma solução viável e eficaz para promover práticas agrícolas mais responsáveis e sustentáveis.